Desde meados da década de 1990, a recente democracia brasileira passou a ser brindada com alguns instrumentos de participação política direta da sociedade civil como os plebiscitos, o referedum, os conselhos municipais e as audiências públicas. Nada que já não estivesse previsto na Constituição Federal de 1988. A tendência de participação direta da sociedade civil na elaboração de políticas públicas não é nova. A Suécia e outros países nórdicos já faziam uso desse expediente desde o século XIX. Henrik Ibsen, em sua imortal peça Um inimigo do povo, apresentava no ano de 1882 justamente o caso de um médico sanitarista que queria alertar a população de um pequeno balneário norueguês para o problema da poluição da água por um curtume, fato que atrapalharia o turismo na cidade. O problema, de certa forma parecido com o da Baixada Santista (as indústrias e o porto já contaminaram quimicamente toda a água do estuário), foi debatido em uma assembléia popular e o Doutor Stockmann tornou-se um inimigo da cidade por defender, pasmem, o MEIO AMBIENTE, a COMUNIDADE, a VIDA!!!! Naquela assembléia popular ele foi taxado de louco e os políticos populistas e os empresários cobiçosos tornam-se os restauradores da ordem, os salvadores da pátria sob o manto acobertador e hipócrita de uma sociedade mesquinha, encimesmada em seus interesses particulares. Portanto, não há nada de novo no reino da Dinarmarca, por sinal, a terra natal de Ibsen.
http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Inimigo_do_Povo
Realizar uma audiência pública, versão atual brasileira daquela assembléia popular, seria, em teoria, uma maneira de democratizar a democracia. A democracia moderna – diferentemente da original antiga, a grega, cujo princípio da Pólis somente concebia a idéia da política com a participação de todos os cidadãos nas assembléias em praça pública, a Ágora – a democracia moderna é representativa, uma meia-democracia. Ou seja, significa dizer que na democracia moderna quem decide não são os cidadãos, mas sim seus hipotéticos representantes, que geralmente são profissionais a serviço de seu próprio enriquecimento e dos interesses loobistas dos empreendedores particulares que lhes financiam as campanhas. Por isso declaramos não se digne a dar um cheque em branco a eles: VOTE NULO ou NÃO VOTE.
Para minimizar a centralização decisória na mão de poucos, nossa progressista Constituição de 1988 OBRIGA, vejam bem não é um favorzinho feito ao povo, a Constituição OBRIGA que projetos polêmicos e complexos com forte impacto, social, ambiental e cultural sejam submetidos à apreciação e debate pelo conjunto da sociedade. E, mais ainda, a Constituição OBRIGA que o Executivo, em todas as suas instâncias, organize essas audiências de modo a permitir a mais ampla representatividade social possível, garantindo o direito à fala em igualdade de condições de qualquer cidadão. Isso não é FAVOR é a LEI!!!!!!!!
Na prática não funciona assim. Geralmente as prefeituras ou o governo do estado montam um circo em cuja mesa-picadeiro se movem os “experts” dos projetos, os bajuladores de sempre, e a corja de políticos regionais querendo aparecer nas colunas sociais. Numa inversão dos papéis, nós, os palhaços, ficamos sentados na platéia assistindo ao engodo, praticamente sem podermos executar nosso número. Como se pode observar em todas as audiências públicas, o espaço de tempo de palavra reservado à sociedade, à comunidade interessada nos danos dos projetos é mínimo. A audiência sempre atrasa, como todo baile à espera dos socialites. Depois, os politiqueiros abrem a mesa com o seu blá-blá-blá durante mais de uma hora. Segue-se mais de uma hora de um blá-blá-blá técnico dos experts do projeto, sobre o EIA-RIMA pago pelos empreendedores (é assim que funciona a isenção científica), mostrando a viabilidade do empreendimento. E dá-lhe discurso sustentável sobre a vantagem das trocas compensatórias (se vocês me deixarem sujar ainda mais no futuro eu limpo um pouquinho de tudo aquilo que já sujei no passado). Feito tudo isso, lá pelas dez, onze horas da noite, pouco antes do último trem partir, permite-se, não sem grande esforço e luta da parte do público interessado em falar, um breve e irrisório espaço de poucos minutos para quem ousar discordar da opinião do bem bolado discurso entre o Capital e o Estado. Infelizmente, a audiência pública no Brasil não é mecanismo de democracia direta. Trata-se de “conversa mole pra boi dormir” como se dizia antigamente. Mas nós, o rebanho, devemos berrar bem alto para nos fazer ouvir. Afinal, o toureiro quase sempre leva a melhor nas touradas, mas, às vezes, o touro consegue mandar algum bonitinho para o cemitério.
Neste vídeo a seguir, assistam a última participação do CAVE em audiências públicas. Foi no ano passado na apresentação do projeto sobre o Terminal Alemoa.
Dia 26 de agosto próximo, os marketeiros de plantão do DESENVOLVIMENTO INSUSTENTÁVEL voltarão à carga querendo nos convencer de como são bonzinhos. PREPAREM-SE, as audiências públicas voltaram.